O lobo mau, depois de engolir a vovó de Chapéuzinho Vermelho, pusera uma touca na cabeça e deirtara na cama, esperando a vinda da menina.
Chapéuzinho não percebeu a trama do velho lobo e foi entrando confiando, achegando-se ao leito onde sua vovó se encontraria deitada.
- O que a senhora tem? - perguntou Chapéuzinho espantada.
- Estou muito doente, minha netinha! - fingiu o arteiro lobo, com água na boca para abocanhá-la. - Chegue mais perto, minha netinha!
Chapéuzinho aproximoou-se e logo perguntou:
- Por que a sua orelha está tão comprida, vovó?
- É para te ouvir melhor!
- E por que esses braços tão grandes?
- É para abraçar você!
- E por que essa boca tão grande, vovó?
O lobo lambeu os beiços:
- É para abocanhar você! E, dito isso, engoliu Chapéuzinho.
Satisfeito com a dupla refeição, o lobo resouvel tirar um cochilo ali mesmo, enquanto fazia a digestão.
O caçador da floresta, que alertara Chapéuzinho sobre os perigos do lobo mau, aproximou-se da casa e vendo a porta aberta, entrou. O caçador, entendendo o que havia acontecido, tirou uma faca da cintura, cuidadosamente abriu a barriga do lobo, tirando de lá a vovó e Chapéuzinho, sem que o lobo acordasse. No lugar delas, ajustou umas pedras na barriga do lobo e os três rapidamente se mandaram.
Ao acordar, o lobo sentiu muita sede, e foi até a lagoa da floresta. Nela mergulhou e, por estar muito pesado, afundou e morreu.
Enquanto ele afundava, lembrou de todas as maldades que praticara. Chorou, arrependido, porém desencarnou. Seu espírito libertou-se de seu corpo físico que ficou no fundo da lagou. Sentiu-se leve, tão leve, que se libertou das águas, chegando à superfície da água, porém o quadro que via era outro. O lobo estava agora na Espiritualidade.
Ele ouviu lobos maus uivando solitários e, com muito medo e também arrependido, chorava. Nisso, um espírito aproximou-se mansamente. O lobo rosnara instintivamente, mas o espírito não demostrou medo; ao contrário aproximou-se e acariciou-lhe a cabeça; um gesto de carinho que o lobo jamais conhecera.
- Quem é você? - perguntou o lobo?
- Sou o encarregado dos lobos maus e sei que você tornará a ser bom!
Gargalhando, o lobo respondeu:
- Toda vida eu fui mau e continuarei a ser!
- Se você prefere assim, serei obrigado a abandoná-lo, até que suas lágrimas de arrependimento me chamem novamente.
- Espere! Eu estava brincando. Cansei de ser mau.
- Então, venha comigo!
O lobo foi encaminhado ao Instituto de Regeneração, onde passou por vários corredores, até chegar a uma sala, onde um médico o aguardava.
- Sente-se, por favor! - disse o médico ao lobo. Tenho aqui a ficha de sua vida, lobinho.
- De mi-nha vi-da? - o pobre lobo gaguejou.
- Sim! Aqui tenho tudo: nascimento, infância, juventude, maldades pretendidas, uma a uma, até o dia de seu afogamento na lagoa.
- Então viu que sou um caso perdido, não é mesmo? - choramingou o lobo.
- Ninguém nasce para mal, lobinho. Temos um belo destino pela frente. Com algumas reencarnações será possível corrigir-se das artes e maldades costumeiras.
- Se não houve caso perdido, sou o primeiro. - dizia o lobo chorando de triteza. - Eu reconheço que sou um caso sem solução, continuarei a ser um lobo malvado para sempre, sei que será assim!
Fazia pena ouvi-lo. O pobre lobo estava irredutível; ele não aceitava que um dia viria a ser bom. Diante disso, a equipe médica que cuidava dele, resolveu mostrar para ele o tele-a-vir, um equipamento cheio de fios que mais parecia uma televisão.
- Resolvemos mostra-lhe o seu futuro, caro lobo! - disse um dos médicos.
- O meu futuro? - admirou-se o lobo.
- Sim! Em casos iguais aos seu, que se acredita que será maus pela eternidade, convém mestrar uma pontinha das suas vidas futuras, para que você trabalhe pela sua própria recuperação.
- Irei ver-me nas próximas vidas?
- Exatamente!
Os médicos ligaram alguns fios ao cérebro do lobo mau e outros ao seu coração. Viraram um botão e a tela iluminou-se.
De imediato, o lobo viu a sua tão conhecida floresta e ele ali estava muito pequenno. O mesmo caçador que repletara a sua barriga de pedra estava passando por ali e, ao ver aquele pequeno filhote de pastor alemão, exclamou:
- Ah, um cão pastor! Vou levá-lo para a cabana, comigo!
Era um belo cão pastor, ainda um pouco selvagem e bravo, porém muito amigo do caçador.
Um dia, porém...
Um dia, o caçador saiu cedo de casa e o fiel amigo o acompanhava. Subitamente, o caçador assustou-se, uma enorme cascavel espreitava, pronta para dar o bote. O ex-lobo mau não hesitou e abocanhou a cobra, para salvar seu amigo mas, velha e manhosa, a cascavel contorceu-se, picando-o no pescoço. Sem forças, o cão não abandounou a presa, dando tempo para que o caçador fugisse.
O lobo mau estava muito emocionado, diante do tele-a-vir. Ele se preparava para fazer uma pergunta, quando as cenas da próximas existência começaram.
Nascera, agora, como um cão sem raça definida. Ainda filhote, fora abandonado na estrada e, faminto, encontrou uma casa, onde uma boa velhinha o recebeu. Essa velhinha não era outra, senão a vovó de Chapéuzinho que, mesmo com o passar dos anos, continuava firme.
O ex-lobo mau já estava mais dócil e calmo e crescera, ali, com a vovó.
Uma noite, já muito grande que ele era, bom para a vovó e bravo para com os estranhos, eis que três homens perturbados tentaram invadir o pequeno sítio, pondo a dona em perigo. Valentemente, o cão avançou contra os filhotes. Os homens fugiram, mas um deles armando-se com um pedaço de pau, deu-lhe no focinho com muita força, antes de escapar com os outros para nunca mais voltar.
A vovó, ao vê-lo caído, já sem forças, chorou muito.
O ex-lobo mau via as lágrimas amigas da velhinha. Ele procurou sorri calmo e, assim, despediu-se dela, agradecido pelo carinho que recebera naquela curta encarnação.
No Insituto de Regeneração, o lobo mau chorava diante do tele-a-vir, onde se apagavam as cenas da segunda existência e imediatamente apareciam as imagens da encarnação seguinte.
Reencarnara, dessa vez, com um cãozinho peludo e esperto. Desde pequenino, revelava a boa índole que adquiria nas existências anteriores e, agora, mal podia se imaginar que um dia ele fora um lobo da floresta.
O cãozinho era muito amado por todos. Crianças e velhinhos detinham-se a brincar com ele, que encantava a todos.
Chapéuzinho Vermelho, sua dona, fazia questão de que todo mundo viesse a conhecê-lo. Mal chegava uma visita e ele logo se animava no colo dos adultos e saltitava brincando com as crianças.
Mas, acima de tudo, vivia para Dedé.
Dedé era uma menina que crescera de corpo, mas não de inteligência e, por isso, nem todas as outras crianças lhe faziam companhia.
O pequeno cãozinho, porém, não se afastava dela e demorava-se a ouvi-la e ficava a dizer-lhe, entre ganidos e aus-aus, as muitas histórias que Chapéuzinho Vermelho lhe contava, qual se Dedé fosse a alma mais querida de seu coração.
Chapéuzinho, que amava muito Dedé, mostrava se comovida pela gentileza espontânea de seu cãozinho.
Os médicos desligaram o tele-a-vir.
O lobo mau estava deslumbrado. - Cheguei a ser assim mesmo? - perguntou.
- Dependerá e sua aplicação e comportamento. O que você viu é parte do que preparamos para a sua regeneração. Partindo do seu arrependimento, esse é o programa ditado pelo seu coração e pelo sei próprio cérebro.
O lobo pensou e logo disse:
- Aceito renascer, já que poderei demosntrar o meu arrependimento a cada um dos que mais prejudiquei.
Foi uma grande alegria! O ex-lobo mau, saudado por todos, foi admitido nos departamentos em que aprenderia a transformar seus impulsos de agressão em gestos e amizade, já que várias existências aguardavam sua atuação, a fim de que pudesse, um dia, encontrar a verdadeira paz e ser feliz para sempre.
Bibliografia: Adaptação do livro infantil O Lobo Mau Reencarnado - Roque Jacinto, Ed. Luz no Lar.
Imagem: do mesmo livro citado acima.
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